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Zema diz ser contra a vacinação de Covid-19 por entes privados: ‘Desigualdade’.

Romeu Zema concedeu entrevista à “Folha de S.Paulo” deste domingo (11)

Governador afirmou que Bolsonaro poderia ter “capitaneado” o combate à pandemia e também se colocou como candidato à reeleição em Minas

Na mesa do gabinete, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), tem enfileirados os jornais do dia. Só consegue abrir para ler em casa, diz ele.

No momento mais crítico da pandemia em Minas, os vídeos do governador no TikTok diminuíram e estão mais institucionais. Ele aparece com mais frequência agora no Instagram, onde compartilha frases que coleciona desde adolescente.

Em março, Zema anunciou a onda roxa, com maiores restrições de circulação –pela primeira vez, para todos os 853 municípios mineiros. Também se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro e viu seu secretário da Saúde cair por denúncias de fura-fila na vacinação.

*

No início de março, o senhor anunciou a onda roxa. Foi uma mudança no tom de falas anteriores do senhor sobre enfrentamento à pandemia.

Em abril de 2020, o senhor disse que era preciso que o vírus viajasse um pouco. Neste ano, disse que quem sai às ruas poderia ser considerado assassino. O que mudou? 

O que mudou foi a pandemia. Nunca havíamos tido uma quantidade de casos, internações e óbitos tão elevada, e o colapso do sistema hospitalar. Você tem de tomar ações de acordo com a situação, não pode deixar pessoas sem atendimento médico.

Está muito claro que essa nova cepa do vírus [a de Manaus], que é muito mais transmissível, veio com uma força maior que a primeira onda.

O senhor criticou várias vezes prefeitos que adotaram medidas mais rígidas de isolamento social, como foi o caso de BH, em falas no decorrer de 2020. Como vê essas decisões hoje?

Vejo que o prefeito conhece a cidade dele melhor que eu. Cada cidade é um caso, não me cabe ficar criticando os prefeitos, mas houve casos extremos nos dois sentidos.

Temos um acompanhamento diário dos 853 municípios, então fica fácil perceber o que alguns prefeitos parecem ignorar.

Em entrevista à “Folha de S.Paulo” em abril de 2020, o senhor defendeu que o Brasil era um dos países que melhor estava conduzindo a pandemia no mundo. Nesta semana, o senhor afirmou: “O governo federal subestimou a periculosidade desse vírus.Deveria dar mais atenção ao inimigo. Nesse ponto houve uma deficiência, algo a mais poderia ter sido feito”.

O que poderia ter sido feito?

Primeiro, temos de contextualizar o Brasil no mundo. Vamos pegar morte por milhão de habitantes e vamos ver que temos países até mais desenvolvidos, que têm mais recursos, e estão piores.

Na última quinta (8), o senhor usou esse parâmetro e disse que ficava claro que o desempenho do país não era bom.

Está [ruim]. Como a nossa população é maior do que a grande maioria dos países, é de se esperar que venhamos a ter mais casos, como os EUA, que diga-se de passagem, é um país muito mais rico e, mesmo assim, teve dificuldades.

Sabemos que, realmente, o que estamos vivenciando no Brasil poderia ter sido conduzido de uma forma melhor. Faltou uma unicidade na condução da pandemia, termos procedimentos –nós aqui temos orientação para os 853 municípios.

Faltou isso do governo federal, ele deveria ter tido um cuidado, ter chamado os governadores, os secretários de Saúde. Aqui em Minas, desde o início da pandemia, deixei a cargo da Secretaria de Saúde, com especialistas.

Vejo que quem conduz um Estado, um país, deve estar muito mais na posição de técnico do que de jogador, que é lateral direito, centroavante etc.

Sem a centralização, governadores e prefeitos tiveram de assumir de uma forma um tanto quanto descoordenada a condução da pandemia.

Quem são os responsáveis por este algo a mais não ter sido feito?

Vejo que é o governo federal, de um modo geral. Não arriscaria dizer nomes, até porque estou distante, não participei das reuniões, os nossos secretários de Saúde, o ex e o atual, é que estavam.

O que sempre falei é que faltou essa coordenação central. Eu me sinto incapacitado, desinformado para estar fazendo essa avaliação mais aprofundada.

O senhor é um dos governadores mais próximos a Bolsonaro, foi um dos únicos que não quis assinar cartas e notas críticas a ele sobre ações adotadas na pandemia.

Como o senhor avalia o papel e a postura dele na condução da crise sanitária?

Com relação às cartas, vamos deixar claro que assinei várias e não assinei várias. Muitas vezes, elas têm um cunho político e, como eu tenho contato com os ministros, é muito mais fácil se comunicar do que escrever cartas.

Há um número expressivo de governadores que fazem uso desse instrumento, respeito, mas vejo que você sentar, dialogar, pode ser muito mais produtivo do que ficar escrevendo. Muitas pessoas querem mais visibilidade do que solucionar o problema.

Mas como o senhor avalia o papel e a postura de Bolsonaro na condução da crise?

Ele poderia ter capitaneado essa questão de ter centralizado o combate à pandemia. Ter chamado para o governo federal, [o vírus] é um inimigo que não conhecemos tão bem, vamos tomar todos os cuidados e, principalmente, ter colocado um ministro da Saúde com mais autonomia para decidir.

O senhor o defendeu anteriormente de críticas, disse à “Folha de S.Paulo” que não concordava com a forma como batiam nele [Bolsonaro]. O que acha das críticas atuais, que o chamam, inclusive, de genocida?

Eu acho que são exageradas. Se for esse o caso, podemos ter situação semelhante em vários países, que têm taxas de óbitos maiores que o Brasil.

Aqui no Brasil mesmo temos estados que têm taxas de óbitos completamente diferentes de outros, e cidades também. Não vi nenhum governador ser chamado de genocida e nenhum prefeito.

Me parece que há uma certa perseguição a uma pessoa. Ficar xingando, acusando a esta altura do campeonato não vai melhorar a situação.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, determinou que o Senado instalasse a CPI da Covid, para apurar se houve omissão do governo. O senhor acha a comissão necessária ou há interferência entre Poderes?

Opinião minha, dentro do Estado já temos uma série de controles, órgãos específicos para tratar de controles, como o TCU ou TCE, o MPF, os MPs estaduais, a CGU. Será que esses órgãos já não são suficientes para fazer as apurações? Eu questiono se não está havendo uma super-redundância em apurações.

O setor público vive muito dessa questão de apontar o dedo. Temos reforma tributária, administrativa paradas, uma reforma talvez política, eleitoral, que [o Congresso] poderia aperfeiçoar, isso vai ficar congelado.

Como avalia o papel do Supremo na crise?

O Brasil continua sendo esse país em que muitas vezes, por ausência de um Legislativo que legisla, o Judiciário começa a legislar. Uma deficiência leva à outra.

Ainda há essas interferências indevidas que precisavam ser mais bem conduzidas, cada um assumir de fato seu papel. As cortes em outros países trabalham em silêncio, julgam só casos expressivos.

Aqui nós temos uma Constituição disfuncional, caso de um traficante de drogas vai ocupar um ministro do STF. Na minha opinião, ele deveria tratar só de questões constitucionais.

A culpa é de um modelo que foi sendo construído nas últimas décadas. A Constituição de 1988 deixou algumas coisas difíceis de serem alteradas, que provocam tanta ineficiência.

O senhor disse que o ritmo da vacinação em Minas está lento por questões das prefeituras, mas alguns prefeitos responderam que doses são insuficientes.

Como avalia o tempo que o governo levou para negociar as vacinas?

Com relação às prefeituras, temos muitas eficientíssimas na vacinação, e outras em que a questão não evoluiu. Temos que lembrar que todo país do mundo hoje gostaria de ter mais vacinas do que tem. Não é exclusividade do Brasil.

Talvez poderíamos estar melhores, mas, mesmo que tivéssemos acertado no passado, seria pouco provável que estaríamos com tudo solucionado.

Minas demitiu em março o secretário da Saúde devido a denúncias de fura-fila na vacinação, quando o próprio secretário Carlos Eduardo Amaral e o adjunto dele, Marcelo Cabral, foram imunizados.

O senhor afirmou que não sabia do caso. Foi cogitado que o senhor também fosse imunizado?

Se procurar nas minhas redes sociais, vai ver um vídeo em que eu digo que quero ser vacinado, quando chegar a hora e com a vacina que estiver disponível. Se é aprovada pela Anvisa, não tenho nenhuma restrição.

Desde que o processo de vacinação começou, eu sempre disse ao secretário que íamos acompanhar o PNI [Programa Nacional de Imunização] e ele me disse que era o que estava fazendo.

Nenhum secretário meu foi vacinado, a não ser o de Saúde, que alega que o motivo é por ser médico e porque estava sempre dentro de hospitais.

Em BH, nas últimas semanas, veio à tona o caso de uma suposta enfermeira que teria vacinado empresários de forma ilegal.

O senhor é empresário, qual sua posição na discussão sobre aquisição de vacinas por entes privados?

Sou contrário. Na minha opinião, uma vacina que salva vidas deve ser exclusividade de nações que têm de ter critérios de vacinação, como foi criado aqui no Brasil.

Senão, vamos cair numa situação em que vai se salvar quem tem mais dinheiro. Seria mais uma desigualdade provocada por questões financeiras.

A Polícia Militar de Minas, segundo reportagem do “Estado de Minas”, elaborou um protocolo sugerindo o chamado “tratamento precoce”, com uso de hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros, que não têm eficácia científica comprovada. O senhor, como governador, apoia esse protocolo?

Não sou médico. Mesma coisa que você me perguntar se eu quero revólver calibre .38 ou .40 para essa operação. Não estou apto. Profissionais de saúde é que têm que responder.

O senhor usaria esses medicamentos?

Se o meu médico recomendasse, usaria.

Houve um telefonema entre o senhor e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, em março, mas o senhor deu uma alfinetada nele nesta semana ao falar sobre municípios não pararem de vacinar nos fins de semana [BH fez isso no fim de semana de Páscoa].

O prefeito disse algumas vezes que o senhor teria um gabinete do ódio que causou o afastamento. Como está a relação entre vocês?

Nosso relacionamento é bom, civilizado, não tenho nada contra o prefeito Kalil e, na minha opinião, temos de trabalhar juntos neste momento de pandemia. Eu desconheço [gabinete de ódio]. Se tiver aqui é gabinete do amor.

Kalil é apontado como um nome para disputar o governo do Estado no ano que vem. O senhor pretende concorrer à reeleição?

Neste momento de pandemia, não é hora de se falar em reeleição, mas, pela velocidade das reformas que temos conseguido em Minas Gerais, eu muito provavelmente serei candidato porque quero deixar meu trabalho completo.

Quatro anos eu já vi que não serão suficientes.

O senhor já disse ser contra o impeachment do presidente. Apoiará a reeleição dele, como em 2018?

Está muito longe, vamos aguardar. A política muda de um dia para o outro.

 

Romeu Zema, 56
Natural de Araxá (MG), formado em administração pela Fundação Getulio Vargas, é dono do Grupo Zema, que tem negócios nas áreas de varejo e combustíveis, entre outras. Foi eleito governador em 2018, na primeira eleição que disputou.

informação: Folhaspress

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