Autoteste de Covid usado nos EUA não é aprovado no Brasil; veja opções viáveis
Teste domiciliar deveria ser feito antes dos encontros de final de ano, sugerem os especialistas.
Toda semana, a veterinária Ana Luísa Fagundes, 28, entra no site oficial do governo britânico, preenche uma ficha e, alguns dias depois, recebe caixas de testes de Covid-19 em casa, que ela própria aplica em si mesma, antes de ir a festas, viajar ou simplesmente ir ao trabalho, e descobre o resultado em 20 minutos. “Meu marido trabalha em uma grande empresa e faz um teste a cada dois dias. Nem sei quantos ele já fez. Nosso último pedido veio com 15, 20 testes”, explica a veterinária.
O que é rotina em alguns países europeus e tem se disseminado nos Estados Unidos ainda é proibido no Brasil, onde a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não permite a comercialização de autotestes de Covid-19, exames coletados pelo próprio paciente com resultado em casa.
Com a volta das atividades comerciais, sociais e aglomerações cada vez mais frequentes – e permitidas –, pesquisadores brasileiros defendem a implantação desse tipo de teste no Brasil, ainda que façam ressalvas sobre a eficácia da medida.
“Seria bom que as pessoas pudessem se testar antes de encontrar a família no Natal, por exemplo, mas, no Brasil, quem quer fazer isso tem que pagar caro. Se a pessoa estiver infectada, ainda vai se expor indo até a farmácia e, mesmo se não estiver, corre o risco na fila com pessoas assintomáticas. Não é nem uma briga para o Brasil distribuir autotestes, mas uma briga para que ele exista, porque não está nem disponível no país”, argumenta o pós-doutorando na Faculdade de Medicina de Vermont, nos EUA, e membro do Observatório Covid-19 BR Vitor Mori.
Neste mês, na iminência das festividades de final de ano, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) orientou que os cidadãos norte-americanos façam autoexames de Covid-19 em casa antes de se reunir com amigos e familiares. O procedimento é padrão no Reino Unido, onde qualquer pessoa pode encomendar caixas de autoexame ao governo.
Comercialização. A Anvisa explica que, no Brasil, a comercialização de testes que possam ser realizados por pacientes é vedada por uma resolução da agência publicada em 2015. A medida vale para doenças infecciosas que demandam notificação compulsória, ou seja, quando todos os casos precisam ser notificados aos serviços de saúde, como é o caso da Covid-19. No entanto, há exceções: o autoteste de HIV, por exemplo, tem uma política específica do Ministério da Saúde e passa à margem dessa deliberação.
A infectologista e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Carolina Ali pondera que o sucesso dos autotestes no Brasil dependeria de boas campanhas informativas para que eles fosse realizados da maneira correta.
“A questão é que esse teste precisaria vir com muita informação, porque a pessoa tem que saber o momento certo de se testar. Ele também precisa vir em um fluxograma de encaminhamentos, ou pode acontecer de a pessoa fazer o teste em casa e, se der positivo, mas ela estiver bem, não informar ao serviço de saúde e não ser contabilizada no número de casos”, diz. Ela também destaca que a qualidade de cada produto precisa ser avaliada com cuidado, sob risco de se usar testes mais imprecisos.
Autotestagem não substitui exame profissional
A Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda não tem um parecer sobre a utilização dos autotestes de Covid-19 e considera que não há informações o bastante para fazer uma recomendação oficial até o momento. “Aplicações da autotestagem estão sendo exploradas, como testagem caseira de indivíduos, e podem ser complementares a estratégias nacionais de testagem”, pontua, em um comunicado.
Neste ano, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) testou a eficácia do autoexame em Campo Belo, na região Centro-Oeste de Minas, com 294 pacientes. A positividade do exame foi comparada à dos testes realizados por profissionais. “O autoteste detectou 94,1% das cargas virais transmissíveis”, detalha um dos autores da pesquisa, ainda não publicada, o médico Breno Bernardes. O autoteste não utiliza um bastão longo como os do exame PCR, e demanda retirada de material nasal apenas superficialmente.
Ele defende a utilização do teste para situações de contato com pessoas infectadas, por exemplo. “Na escola, se um aluno testa positivo para Covid-19, os outros poderiam fazer o autoteste todos os dias e ir para a aula. O autoteste também pode aumentar sua segurança antes de visitar um parente idoso ou fazer uma festa”, reforça.
Mesmo no Reino Unido, onde os autoexames são rotineiros, cidadãos com sintomas de Covid-19 realizam o RT-PCR, que tem uma sensibilidade maior. “Os testes são um somatório. Todos são importantes e cada um tem sua indicação, facilitando o acesso à testagem”, conclui a infectologista Carolina Ali.